As vezes o feio do mundo me assusta.
As notícias são de incêndios, criminosos, que sufocam um país inteiro em fumaça. As notícias são de ataques à mulheres, incontáveis, na França, em Uganda, e no Ministério de Direitos Humanos. As notícias são de estrelas, influentes, chafurdadas em redes de abuso, tráfico de gente e morte. As notícias são de guerras, no Líbano, na Palestina, na Ucrânia, talvez fragmentos de uma guerra maior, faminta e infindável.
As vezes o feio do mundo me assombra.
Uma mãe na Itália enterra, pela segunda vez, um recém-nascido, vivo, enquanto, na quinta maior cidade do mundo, um candidato a prefeito ataca, “você não é homem”, o outro candidato, muito homem, faz com uma cadeira o que homens fazem, para eles não tem nada pior do que não ser homem. Abro um aplicativo, ou ligo a televisão, e o que salta é a violência, institucional, contra mulheres, contra crianças e minorias, contra a fauna e a flora, enquanto políticos e bilionários brincam de cabo de guerra no palco do mundo.
As vezes o feio do mundo me atinge.
É fácil me convencer de que a esperança está morta, assassinada, de que o mundo está corrompido e não existe antídoto. É essa, afinal, a energia que paira não-dita entre nós, um pessimismo crônico, esmagador. Talvez a gente não tenha sido feito para saber de todas essas coisas, o terror de cada canto chega na hora, filmado, com áudio, testemunhas e adaptação na Netflix. É o feio do mundo que ganha o holofote, em destaque como ovos podres que boiam na água.
As vezes o feio do mundo me agride.
Quando meu marido viaja, eu não durmo. Na minha cabeça as coisas ruins estão acontecendo, o mundo-ameaça, uma bomba sempre prestes a explodir em algum lugar. Acidentes aéreos, batidas de carro, assaltos, tiroteios, sequestros. Na minha cabeça estão acontecendo, ao mesmo tempo, todas as coisas ruins. O mal existe desde que existe o homem mas as vezes parece que nasce hoje o mal, nasce todos os dias, renasce o tempo inteiro.
As vezes o feio do mundo me cansa.
Estou aprendendo a caçar o belo do mundo. As coisas boas se escondem, como os ovos que ficam no fundo da água. É preciso ir até eles, içá-los. É preciso pescar, no cotidiano, as amostras que não chegam aos holofotes:
Uma amiga está se apaixonando, os olhos jorram o quente do amor rebento. Outra dedica os sábados aos gatos do abrigo e, em visita ao lar de idosos, meu irmão faz um amigo. Enquanto uma mãe comemora os primeiros passos, titubeantes, do seu bebê, uma mulher aos cinquenta anos se divorcia, faz a primeira viagem, sozinha. Passo na rua por um casal que gargalha, empurram morro acima o uno quebrado, vivos. São gotas, instantes, tão frescas nessa seca, em quantidade quase mata a sede.
As vezes eu penso que talvez
a questão não seja tanto o feio do mundo,
mas sim a coragem de, mesmo agora,
continuar pescando o
lindo
do mundo.
Coisinhas que eu tenho lido (e curtido) por aqui:
Caderno de Feitiços da Flora, da Anaforismos. Quando li a página 13 do Caderno de Feitiços da Flora Bibilly Bom fui imediatamente transportada para os livros de bruxinhas que eu lia na infância. Que reencontro gostoso.
Pedra, da Alguma Poesia. Encontrei essa pedra pelo caminho enquanto matutava as partes finais dessa newsletter, e gostei tanto que quis trazer pra cá.
Essa tirinha do Téo & O Mini Mundo, sobre a esperança que fica, mesmo quando nos tiram a esperança.
Você também me acha aqui:
Tiktok - recomendo livros, leio uns textos as vezes
Instagram - blogueirices, escrevinhanças e indicações (livros, séries, filmes, etc)
Obrigada, Gabriela.
Precisava ler esse texto, Gabriela.